► OKKIRAI — THE YOUKAI WORLD

Demorou um pouco para respondê-la e não notou a presença das outras duas, ou notou, mas não quis demonstrar. Mordeu mais um pouco da maçã para que voltasse a falar com Kyubei. "Poderia pelo menos aceitar. Tenta a maçã." Levou sua mão para que ela experimentasse a fruta meio mordida.

fez uma cara de desentendida. "Ah, eu prefiro ficar aqui, não sei o que falar." Deu de ombros, mas verdade, por que ela estava ali? Ah sim, fazer amigos, se é que podia chamar assim. Normalmente ela conseguia selar algum youkai, mas nem sempre. "E eu não sei, o que é um humano qualquer? Eu não me vejo como uma qualquer, eu gosto de saber que eu viajo entre mundos."

Fez uma careta e pegou mais coisas na sua bolsa, mais algumas frutas, e as deixou na frente e fez um sinal às duas outras youkais que falavam com Kyubei, finalmente mostrando que já tinha noção de suas presenças. "Vocês também podem vir aqui, tenho comida pra todo mundo." Voltou a olhar à menor dali, agora com uma cara inconformada. "Eu disse que se você quiser que eu traga, eu trago, se for assim para você virar minha amiga, eu trago humanos, não tem problema."

Aquela humana só podia sofrer de alguma demência grave. Nagisa revirou os olhos, incomodada.

"Você provavelmente não entendeu, mas NINGUÉM aqui tem interesse em ser seu amigo." Disse. A estupidez humana era tamanha que duvidava de si mesma. Era realmente essa a espécie que as kitsunes do seu antigo clã afirmavam querer proteger? Uma criatura tão suicida como essa? "Ou não notou mesmo que a criança-não-tão-criança aqui pretende te matar?"

Não teve tempo de esperar pela resposta, porque apercebeu-se que a mais velha estava avançando na sua direção com cara de poucos amigos. Ela ergueu a sobrancelha, confusa, cruzando os braços como se não tivesse paciência para isso e desviando da primeira investida.

"Olha... Nesse seu estado, você vai acabar se machucando mais a você mesma do que a mim." Avisou, franzindo a testa.

Definitivamente essa humana quer morrer.

Ouvira há pouco aquela miudinha sibilar algo sobre ser uma Kyubi no Kitsune. Ora essa, o que uma kitsune veterana faz aprisionada num corpo tão sem valor ou utilidade? Aquilo era realmente interessante, ao que pôde notar, aquele guizo que pendia em seu pescoço mostrava que ela estava selada. Oh, talvez por este motivo a kitsune é tão ardilosa com quaisquer seres que ousem chegar perto de ti.

As orelhas moveram-se rapidamente para direção onde se encontrava outra kitsune não-tão-animalesca-assim e ouviu com desgosto as palavras proferidas com escárnio por ela. Sentiu pena da humana - apesar de que, em seu âmago não tinha nenhum desejo de ser ou não ser amiga dela.

Santos deuses, que eu não tenha sido afetada por essa estúpida repetia a sua prece enquanto tomava coragem para oferecer alguma empatia para aquela humana, sabia que de alguma forma ou outra, assim como os demais, ela tinha o desejo de poder aprisionar num selo os youkais novos.

Saiu dos arbustos provocando um ruído incômodo para os seus ouvidos e - também mostrando sua presença. Agora sim não teria como se safar, inspirou profundamente e deu dois passos em direção à humana.

"Ela tem razão; você corre perigo aqui, não percebeu?" Aproximou-se o suficiente dela com cautela como um animal amedrontado que foge de estrondos. Se sentou perto da humana esperando qualquer coisa. "Olha, eu não vou hesitar em te machucar se você estiver afim de me selar."

A ameaça teria surtido algum efeito, talvez, mas seu estômago fez um barulho gutural que a obrigou a encolher-se de vergonha.

A investida da raposa foi ó, um fiasco. Ela estava—obviamente—mais lerda do que qualquer outro youkai ali e, por isso, deu apenas de cara na lama. Pedaços de grama e terra entraram na sua boca, pelo que ela precisou cuspir fora antes que vomitasse. As palavras da outra kitsune entraram em um ouvido e saíram no outro. Não teve saco para responder, pelo que somente a remedou com um "mimimimimi" inaudível.

A Kyūbi arrancou a lama dos olhos irritada. Grunhia como um cachorro raivoso, embora estivesse de costas para todos os presentes. Por que simplesmente não me mataram? Ela ponderava para si. Eles poderiam ter me matado em vez de selarem-me nesse corpo desprezível.

Com um suspiro, a raposa de nove caudas procurou controlar sua raiva. Talvez pudesse tirar algum proveito daquela situação. Aquela humana poderia ser burra, mas se conseguiu entrar em Okkirai, então ela só poderia ser como aqueles humanos.

E, se fosse poderosa, poderia a libertar dessa maldição.

"Não." Por fim, a voz da Kyūbi foi ouvida. "Não precisa trazer ninguém."

A kitsune umedeceu os lábios, deixando com que um filete de saliva escorresse. Ela chutou a maçã, e jogou-se em cima da ruiva. Suas garras prenderam-se nos pulsos da mesma, onde a boca abriu-se em um largo sorriso faminto. A presença das duas outras kitsunes ali não importavam. Se quisessem um pedaço, teriam de passar por ela antes.

"Não vou deixar que você traga nenhum de seus amigos." E, dito isso, a Kyūbi preparou-se para morder seu pescoço. Ela sabia que não poderia usar qualquer tipo de movimento com o intuito de matar um onmyoji, mas, se mantivesse o pensamento—e se esforsasse bastante—de que só estava fazendo carinho, então o selo não a eletrecutaria.

"Então, se ninguém tem interesse em pelo menos conversar, não tenho mais nada o que fazer aqui." Assim que estava prestes a se levantar, uma terceira kitsune apareceu. Lavinia nem mais sabia se agora estavam ali por algo a mais ou coisa do tipo. "Ah, bem, eu não te aprisionaria agora, de qualquer jeito, então não tem com o que se preocupar." Nem pareceu perceber o estômago roncando e deu uma segunda maçã para ela.

"Mas parece que não sou bem-vinda, de qualquer jeito." Levantou-se e desviou da maçã jogada pela menorzinha de uma maneira anormal. Deixou que ela pegasse seus pulsos e ficou encarando com sua cara indiferente. "Não." Foi a única coisa que Lavinia disse quando Kyubi começou a se aproximar de seu pescoço.

Ela tirou a mão esquerda das mãos da youkai e segurou firmemente suas bochechas entre seus dedos cheios de calos de tanto segurar a espada. Afastou o rosto dela calmamente de perto do pescoço e respondeu uma última coisa à kitsune sentada. "Se fosse para eu ter morrido aqui, já estaria morta há sete anos." E, então, soltou Kyubi e voltou a se sentar, tirando uma garrafa d'água da bolsa e agindo como se nada que ela fizera aconteceu.

A nova Kitsune que apareceu era-lhe familiar. Certamente, era uma Zenko como Nagisa, pelo que talvez fosse possível que as duas já tivessem se encontrado no passado. Bom, não interessava realmente. Kitsunes zenkos eram chatas, assim como todas as outras.

"Sete anos?" Inquiriu, elevando a sobrancelha "Quer que eu acredite que você tem o hábito de entrar aqui há mais de sete anos e fazer piquenique e sobreviveu?"

Levou a manga do seu bizarro traje aos lábios, escondendo delicadamente o riso que surgiu no seu rosto. Isso era impossível. Uma humana fraca como ela nunca sobreviveria nem 2 dias ali, quanto muito sete anos.

"A sua sorte é que eu e aquela figurante que ninguém liga ali não temos interesse nenhum em te matar, e que essa Kyuubi doida está presa num corpo de uma pré-adolescente." Explicou, recostando-se no ramo em que estava sentada e enfim se deitando, balançando-o ligeiramente enquanto observava as coisas lá em baixo. O kimono caía ligeiramente, mostrando um pouco mais das suas pernas do que deveria. Não que Nagisa se interessasse.

Cedeu a desconfiança e pegou, com cautela a maçã que a humana tinha oferecido. Algo enfim para saciar sua fome - sentiu uma carga de energia que há um tempo já não sentia.

Agradeceu com um manear de cabeça e voltou sua atenção às demais ali presentes. Ouviu as ofensas daquela que jazia sobre a árvore, sua voz chegava aos ouvidos de Mica com um tom tão nauseante de escárnio que apenas respondeu-lhe com um suspiro de dó.

"Quem diria que a grandalhona aí iria se pronunciar, uh?" Ela é tão inconveniente, pensou analisando com calma e não demonstrou qualquer interesse em olhar para ela. Sentou-se novamente na grama quase num mero ato de desinteresse. Ir para o outro lado seria interessante.

"Será que eu poderia ir para o outro lado com você, humana?" Inquiriu, curiosa. Não tinha qualquer interesse em debater sobre futilidades com tal humano atrevido. Mas sete anos é mesmo muita coisa.

Ter as bochechas apertadas foi desagradável, mas a sensação de ser descartada como trapo no chão foi pior ainda. Aquilo era ultrajante. Ela era uma Kyūbi no Kitsune e mesmo assim ninguém a respeitava. Ninguém.

A raposa então rolou para o lado e permaneceu deitada no chão em silêncio. "Sete anos" ela disse. Então estava certa. Por isso não conseguiu atacá-la. Aquela jovem era uma onmyoji, e talvez poderosa o suficiente para retirar seu selo—visto que vir para Okkirai e não morrer aparentava ser um de seus passatempos.

Mas tudo aquilo não passavam de suposições. Precisava obter respostas. Aturar a presença dela não seria tão horrível se isto significasse ter seu poder de volta.

"Você sabe o que é um shikigami?" Perguntou, ainda esparramada no chão, com os braços e pernas encolhidos. Ela não podia deixar de admirar aqueles cabelos avermelhados e o quanto eles lembravam uma carne macia e saborosa.

Assim que terminou de bebericar a água, pensou no que ia falar à mais alta, simplesmente não se importando muito com a dúvida, realmente, muitos poucos humanos saíam, ou até mesmo entravam, desse mundo. "Acredite se quiser. Mas sim. Mesmo que nem sempre foi nessa área." Deu de ombros. "Ah, se quisessem me matar não é como se fossem perder muita coisa. Ou iriam, depende do ponto de vista."

"Outro lado?" Pela primeira vez, deu um pequeno sorriso, quase imperceptível, desde que chegou. Oh, já estava ficando assim, é? "Hmm... Mas você não disse que não queria um contrato?" Olhou à raposinha novamente, na verdade, tinha quase certeza que ela iria começar a espernear, mas a pergunta que ela fez chegou a ser intrigante. "Eu sei o que é um shikigami, sim." Afinal, já tive muitos. Não completou a frase, mas o tom com que falou deixou uma pergunta pendurada e uma frase incompleta.

Processou as frases que chegada aos ouvidos com calma. Era verdade, havia esquecido: precisava de um contrato para poder atravessar para o outro lado. A curiosidade nunca foi tão dolorida, se viu presa num dilema consigo mesma; deveria ir e desvendar um novo mundo, ou continuar presa em Okkirai?

"Droga..." trincou os dentes, a humana tinha razão. E se perambulou Okkirai por sete anos sabia muito bem como funcionavam as coisas e, ao menos teve um shikigami. Era algo que realmente deveria ser pensado.

"Olha aqui, eu não sei quem é você, não posso simplesmente sair confiando em qualquer um, vai ter de me desculpar." Mica sibilou com pouco desdém possível, não queria magoá-la, mas também não deixaria brechas para um possível vínculo emocional. Estava apenas... confusa.

Confusa, é - algo que havia esquecido o que era, e retornara agora. Quem raios essa humana pensa que é?

A Kyūbi estava deitada no chão. Os olhinhos dourados não mais possuíam as pupilas afiladas, mas sim um par de esferas bem negras e curiosas. Ela chegou mais perto da humana de forma sorrateira. Na verdade, a raposa já havia se aproximado desde o instante em que deitara no chão.

Sempre que a jovem ruiva olhava para outra coisa que não era ela, a Kyūbi logo tratava de chegar juntinho. Já estava tão próxima que podia lamber a perna dela se quisesse, porém, caso perguntassem, ela só rebateria dizendo que foi o vento.

"E você já teve um, por acaso?" Quis saber. Por mais curiosa que estivesse, seu nível de fome era mil vezes maior do que sua curiosidade. Ela tinha de se controlar.

Uma gota de suor escorria perto da orelha devido ao esforço que fazia para manter suas garras dentro das unhas. Só um pedacinho. Era tudo o que queria. Um pequeno pedacinho suculento.. saboroso...

A Kyūbi esperou a ruiva tagarelar com a outra kitsune. Ela encarava o corpo esbelto da humana como um loba sedenta, onde seus olhos acompanhavam os gestos de mãos que vez ou outra ela fazia. Como uma necessidade incontrolável, a Kyūbi então deu uma lambida prolongada naquela perna macia e apetitosa.

Sua língua era meio áspera, e o simples toque na pele clarinha deixou um rastro vermelho junto à saliva. Foi só então que decidiu abocanhar quando chegou na área grossa da coxa, e teria continuado se não fosse o súbito choque da coleira em seu pescoço.

A raposa de nove caudas jogou-se para trás, onde todo seu corpo foi coberto por caimbrãs nada confortáveis.

Subitamente, ambas as outras Kitsunes pareceram ganhar interesse com o mundo externo, uma delas inclusive babando a perna da ruiva toda. Nagisa ergueu uma sobrancelha, confusa.

"Seria isso aquilo a que um humano uma vez chamou de «harém»?" Inquiriu, curiosa. Saltou finalmente do ramo onde estava, pousando a míseros milímetros da mão da humana - que poderia ter sido esmagada pelos seus saltos de madeira em segundos. Perguntou-se se deveria, também, aproveitar-se um pouco da humana.

"Olhe lá, você não tem nenhum livro do seu mundo?" Inquiriu, as íris avermelhadas brilhando.

"Eu sei que não pode confiar, por isso que falei." Deu de ombros novamente, mas assim que sentiu a lambida em sua perna e a outra simplesmente pousando perto dela, quase em cima da mão, Lavinia deu um salto para trás e sentiu um calafrio em sua coluna por conta da língua da maldita raposinha.

Desembainhou seu florete com uma velocidade anormal e experiência, apontando a arma no rosto de Kyuubi. Sua postura agora era perfeita e as sobrancelhas estavam cerradas; sabia que se tivesse que lutar, pelo menos com a menor, Lavinia ganharia. "Chame isso do que você quiser, mas ainda não fazem parte desse harém. Sim, eu tenho livros em meu mundo. E vários." Ainda não tirou os olhos dos olhos amarelados da Kyubi.

"Por que quer saber, Kyubi no Ktsune?" Abaixou um pouco a mão que segurava o florete para vê-la melhor, ainda com uma cara de poucos amigos. "Já tive. Tenho. Vários, um, nenhum. Pense como quiser."

A pequena ainda rolava no chão de dor devido as câimbras. Os choques estavam ficando cada vez mais fortes e, se fosse uma masoquista, com certeza estaria adorando. Mas como não é, as dores só a deixavam puta. Ela só percebeu a espada apontada para si quando sentiu a ponta metálica e gélida espetando sua bochecha. Após enfim recobrar o controle de seu corpo, a kitsune apenas deu um tapa na lâmina para afastar de sua cara e bufou.

"Então você deve ter poder suficiente pra tirar esse selo." Respondeu, dando um peteleco no guizo em seu pescoço. "Não que eu acredite em você, já que não vejo nenhum shikigami aqui te protegendo. Você me parece mais uma bela de uma mentirosa, porém na pior das hipóteses eu só vou continuar com isso no pescoço. Já você, bem... perderá toda a possível utilidade que te mantém viva."

E, dito isso, a youkai umedeceu os lábios e esboçou um sorriso malicioso.

Aquele tipo de proposta era realmente intrigante, apesar de não ter tanta noção do perigo que poderia correr. Shikigami, uh? Não era nada mal, apesar de tudo, mas em sua mente ser serva de um ser acéfalo dava nos nervos. Ou nem era tão acéfalo assim, poderia ser uma boa mentirosa e estar tentando atrair suas presas para a armadilha. Curvou os lábios imaginando o plano que havia feito, um humano não cairia em Okkirai sem algum motivo. Relutante, decidiu prolongar a conversa ao ver a capacidade de combate da humana com a kitsune que incitava-a a tirar seu selo; isso era, no mínimo curioso e muito perigoso. Céus.

"Isso me deixa intrigada; qual o seu nome? Já que sabe tanto assim, conte-me." Cruzou os braços aguardando a resposta já sabendo que poderia se arrepender por mil anos ou ser convencida de ser selada ou seja lá o quê. Um objetivo seria interessante, a humana poderia oferecer isso e acabar com os seus milênios de vida.

Bufou um tanto que contrariada com a kitsune menor. Se ela perdesse o selo só deus sabe o que ocorreria, e tinha uma vaga sensação de que teria de arranjar um jeito de proteger a humana, fazia parte dos ensinamentos que recebera por parte das demais zenkos que encontrara por aí.

"Você aí... miudinha, quer tirar seu selo para poder voltar a causar caos? Suponho que sim." Limpou a garganta e prosseguiu, para a humana: "Sabe do risco que corre, não sabe?"

Nagisa parou de respirar por uns segundos. Em um movimento rápido, aproximou-se da humana e empurrou a Kyuubi da sua frente. Os seus olhos brilhavam com entusiasmo, mas ela tentava contê-lo com uma pitada de malícia.

"Oh, e que tipo de livros você tem? ~" Inquiriu, logo apontando para a mochila da garota "Você por acaso não trouxe nenhum consigo não?"

Não estava minimamente interessada no negócio chato de shikigami que já ouvira falar mil vezes. Só queria poder ver um livro humano.

O tapa que Kyubi dera no florete fez com que Lavinia entendesse: ela não guardou a espada, continuava com ela empunhada, mas não deixava mais na cara da raposa. "Eu não preciso que venha um shikigami, eu chamaria ele, mas as duas amigas aqui, porém, não parecem querer me comer e você não parece estar em condições de conseguir." Revirou os olhos e apontou para as duas outras kitsunes ali presentes. "E nunca disse que eu gostaria de outro shikigami."

Sorriu um pouco quando as duas perguntaram sobre seu nome e livros. Realmente, estar em Okkirai é muito mais legal do que o mundo dos humanos. "Bem, como eu posso falar meu nome se eu nem mesmo sei os seus?"

E na verdade, Lavinia nem sabia se tinha algum livro em sua bolsa, deveria ter, afinal, estava indo para a escola, mas deveria ser alguma coisa sobre matemática, história ou geografia, nem tinha certeza. "Posso ter trazido, como posso não ter, eu não sei. Por que não procura?" Acenou com a cabeça na direção da bolsa, dando liberdade para que a mais alta pudesse vasculhar o que quisesse.

A kitsune trocou olhares com a outra que teve a prepotência de chamá-la de miudinha.

"Somos youkais. O que você esperava, cara de tengu?" A morena bufou. "Matar humanos está na nossa natureza. Renegar isso é tolice."

E, então, ela virou-se para a ruiva novamente.

"Então chama ele aí." Desafiou a Kyūbi, sorridente. "Vai lá, fodona."

Ela continuou sentada no chão, as pernas cruzadas onde uma delas balançava em um ritmo descontraído. Suas mãos estavam na grama e apoiavam a sua posição relaxada. Estava achando graça daquela pose de "poderosa" que a humana fazia. Era muita audácia de alguém tão frágil e mortal apontar uma espada na cara dela.

"Mostra do que você é capaz, ou será que não tem culhão pra isso?"

"Oras, por favor, sejamos diplomáticas, sim?" Franziu o cenho e permitiu que o sorriso crescesse em seu rosto; quanto tempo será que alguém tenha conseguido aturar aquela criatura? Estava quase se julgando exceder esse tempo.

A Kyuubi estava sendo tão insensata que jurou poder ver algum sentido terem aprisionado-a naquele corpo infantil. Sentiu uma súbita vontade de dizer logo que naquele corpo ela não poderia machucar aquela humana e estava dizendo apenas asneiras tentando intimida-la.

"E se ela tiver? Irá jogar essas suas bolinhas elétricas ineficazes ou tentar mordê-la e se contorcer de câimbra?" Essa gente é maluca mesmo, retomou os pensamentos em concórdia antes de poder tomar alguma decisão.

"Mica." Respondeu, por fim. "Não irá dizer seus motivos, interesses? Eu julgaria que você esteja perdida, mas aqui como pode ver: só tem um bando de youkai insignificante que nem consegue atacar um humano." Suspirou com pesar. Agora já não queria saber qual seria o destino dela, se a kitsune quisesse algo, pois que tentasse. Não adiantaria de nada mesmo.

Logo pulou para a bolsa da ruiva, rapidamente remexendo nele com entusiasmo. Sentiu-se um pouco desiludida quando viu que maior parte do que estava ali dentro era comida (ela realmente pretendia dar tudo aquilo para youkais?), mas eventualmente encontrou um livro e um pequeno caderno. Com os olhos brilhando, a raposa pegou nos dois e rapidamente começou a folheá-los.

"Ahh, o que é isso?" Inquiriu ela, torcendo o nariz ao ver o idioma desconhecido "Não entendo nada do que está escrito!"

A palavra "youkai insignificante" irritou Nagisa. Rapidamente, formou uma bola de energia significativamente maior do que as que a Kyuubi tinha conseguido formar e atirou na cabeça da kitsune mais nova. Não ia acertar - não era esse o seu intuito - mas talvez fosse queimar umas pontas de cabelos.

"Veja lá quem chama de insignificante" Grunhiu, virando-se para a humana novamente "O meu nome é Nagisa. Escusa de falar o seu, não estou interessada."

Jeanne demorou um bom tempo para voltar a abrir os olhos. Ela estava jogada no chão, e todo seu corpo doía. Assim que abriu as pálpebras, ela percebeu que algo de errado não estava certo.

O céu podre e cinzento de Tóquio foi substituído por um azulado e límpido, e os prédios abandonados foram trocados por árvores vívidas e coloridas. A loira franziu o cenho diante da estranha paisagem, porém não se dignou a levantar.

"Ah... acho que usei LSD demais..." Jeanne suspirou. Ela até tentou se esticar, mas a preguiça bateu e tudo o que fez foi ficar jogada na grama.

Mica fez o esforço de evitar que a bola de energia pudesse lhe atingir e consequentemente queimar seus cabelos; quis poupar o farfalhar de queimado que a irritaria. Instintivamente lançou algumas chamas na direção da maior, com o intuito de apenas a afastar de si.

"Estou sendo apenas realista, Na-gi-sa." Sibilou pausadamente o nome dela experimentando o quão divertido era apropriar-se de um tom de ironia para - em sua concepção, explicar algo tão simples que a fez pensar o quão esdrúxula poderia ser a kitsune maior. Ora, claro, todos aqui são... excêntricos

Voltou-se à humana pensando se seria sensato ela chamar ou não seu até então, hipotético shikigami. "Acho que estou sendo chata, mas de quê adiantaria chamar ou não um shiki..." Cortou a frase hesitante, ao sentir algo estranho naquela atmosfera, algo parecido com a sensação do portal da humana. "Kyuubi, me diga se você sente algo diferente." Exigiu à mais velha, um pouco hesitante; sua intuição era deveras falha, mas realmente a sensação era preocupante.

A kitsune ainda esperava uma resposta da humana, mas a súbita briguinha das outras duas insignificantes chamou sua atenção. Seria divertido vê-las brigarem. Contudo, felicidade era uma coisa que durava pouco.

Algo estranho na atmosfera fez suas orelhas movimentarem-se. Ela não só ouviu um portal, como um ruído de alguém caindo. Alguém havia entrado em Okkirai.

"Dois humanos em uma só manhã?" A Kyūbi passou a língua pelos lábios. "Espero que seja mais saboroso do que essa daí."

Teve o cuidado de chegar evitando com que qualquer osso seu pudesse ser quebrado, portais no meio do nada são perigosos. Ao sentir a aura pura do local, o rapaz esfregou os olhos como se fosse um ritual sempre que ía para lá. Recitou uma proteção qualquer, uma eficaz e a primeira que veio em sua mente, e pôs-se a andar.

Um pouco distraído por toda a situação anterior, percebeu depois de um tempo um outro ser humano ali; não soube distinguir se era ele, ela, ser humano ou não, a aparência era bastante peculiar, lembrava alguns youkais que vira há tempos. Hesitante, foi em sua direção e se deu ao trabalho de sacudir aquele... ser envolto em um monte de trapos.

"Cacete, acorda, porra! Se for humano responda isso." Deu-lhe uns tapinhas no rosto, suficientemente fortes para acordar alguém. Santa deusa, um humano leigo não pode ter vindo aqui, mas aquele raio de fissura só fode também.

Jeanne estava em seu décimo, talvez milésimo sono. O lugar sem dúvidas era mais aconchegante que a kitnet fedorenta que tinha vez ou outra usava para dormir.

E ela teria continuado dormido se alguém não tivesse dado uma de espertalhão. Os tapinhas no rosto foram o suficiente para colocar a loira em uma posição defensiva. Ainda grogue, ela abriu as pálpebras sonolentas e, ao ver o homem em sua frente, não demorou.

Sua mão direita foi a primeira a ser arremessada contra o nariz do rapaz, seguida da sua esquerda, que teve como intuito envolver seu pescoço e trazê-lo para baixo. Jeanne poderia ser pequena mas, em um mundo onde tudo conspira contra si, ela teve de aprender da pior maneira a se defender.